A forma como mentimos às crianças.

Eu cresci a ouvir a minha avó dizer que: “é feio mentir às crianças” e sempre acreditei que era feio, ou falta de educação mentir a quqme quer que fosse.

Mas mentir a crianças normalizou-se. É o comum, o praticável. Dizem que é para as fazer felizes. Então vamos investir em crianças iludidas que darão adultos frustrados e ansiosos.

O desporto não é meritocrata e a sociedade muito menos. O desporto é uma oportunidade de exemplificar, formar e treinar para o que será a sociedade adulta. Uma sociedade de esforço, trabalho e muita frustração, mas nem por isso negativo.

Este não é um artigo sobre desilusão. É um artigo sobre esperança e sucesso!

São os mais preparados que alcançam o sucesso. A sorte faz parte da equação, mas nao devemos esperar que o resultado esteja só dependente desta, isto é o que fazem os incapazes, os incompetentes.

Eu não sei como foi noutros tempos. Sei que nestes se vende a banha da cobra como se fosse a coisa mais normal do mundo. O termo remonta à mentira, à patranha. Alguém que vende o produto com uma confiança inabalável nos seus resultados. Mas a banha da cobra não é mais que uma fraude. Vender o sonho.

Hoje o sonho é vendido em bancas publicas, são os próprios pais que levam os filhos até às bancadas da banha da cobra e convencem as crianças a investir com o seu próprio dinheiro e esforço.

“Basta sonhares”; “Basta quereres muito” e podia continuar por aqui com muitas mais, mas acho que estas são suficientes.

Um educador que quer o bem do seu educando não lhe mente. Não tem que dizer a verdade toda, mas prepara para quando esta chegar.

Certamente já ouviu o termo “Pais helicóptero”. Todo o treinador já se deparou com este modelo de pais. A intenção destes pais não é má, mas os resultados deste tipo de parentalidade são:

 1. Consequências no desenvolvimento de competências

  • Pais superprotetores impedem as crianças de desenvolverem a sua autonomia e independência
  • As crianças têm mais dificuldade em desenvolver competências relacionadas com as situações normais do dia a dia, como serem organizados com as próprias coisas, saber realizar tarefas domésticas ou reagir perante as dificuldades, por exemplo. 
  • A nível social, os mais pequenos evidenciam dificuldade em interagir com os outros, mostrando mais timidez e tendência para o isolamento. 
  • No que toca ao estudo e às tarefas escolares, têm maiores dificuldades em serem autónomos, com consequências no sucesso escolar caso não tenham apoio. 

2. Consequências comportamentais

  • Os filhos com pais helicópteros têm muito mais dificuldade em adaptar-se a novos contextos e isso reflete-se até na vida adulta. 
  • As crianças desenvolvem receios em arriscar e errar, pois estão habituadas a ter quem as proteja dos riscos e os evite por si.  
  • Podem desenvolver uma baixa autoestima, refletindo-se negativamente nas várias dimensões em que interagem. 

3. Consequências da relação pais-filhos

  • Na adolescência, surgem conflitos devido à superproteção. Os filhos começam a reagir negativamente ao controlo e à presença dos pais, sobretudo, quando as situações lhes são desfavoráveis. 
  • Uma das consequências dos pais helicóptero é levar as crianças a estabelecerem elas próprias limites e regras. Como não estão habituadas a ser contrariadas, fazem birras e chantageiam quem está à volta. 
  • Há uma dificuldade enorme em definir limites relativamente à autoridade parental

Como é que isto passa para o desporto?

Já todos nós vimos pais nas bancadas a dar voz de comando aos filhos. A gritar o que eles devem fazer. Por vontade própria saltavam para o terreno para substituir a pobre criança. Para a proteger do fracasso, da falência da parentalidade dada por eles próprios.

Um treinador educa para o desporto. Tal com o professor educa para a literacia, abre a mente para o conhecimento e para a exploração das capacidades intelectuais. O treinador faz o mesmo através da complexidade do domínio do corpo e das habilidades cognitivas e emocionais.

Se o filho, ou filha não render o máximo na pista, no campo o pai helicóptero na sua incompetência parental vai dizer que o culpado é o treinador. A sua criança tem tudo para ser a melhor das melhores e se isso não acontece o treinador não sabe o que faz!

Um treinador é como um oleiro. Um oleiro só molda o barro que lhe fazem chegar às mãos. Não faz fina porcelana de barro cheio de grão grosso.

Um treinador é, quando muito, responsável por 1/3 dos resultados do atleta. Os outros 2/3 são a genética e a educação. Num contexto normal, ambas provenientes dos pais.

Um atleta é feito da genética certa para a disciplina em causa, mais resiliência, determinação e um volume inumerável de disciplina.

Uma criança que desde tenra idade não é habituada a arrumar os seus próprios brinquedos, afazer a sua própria cama, dificilmente será atleta de elite. Uma criança que desde cedo não é contrariada dificilmente irá ter a capacidade de construir ferramentas emocionais para lidar com as contrariedades da vida adulta.

Há um consenso entre treinadores de que o sucesso, ou a ambição e o talento para alcançar o sucesso é fruto da educação. Que se deve moldar esta capacidade, esta tenacidade desde tenra idade.

É preciso educar para a ambição, permitir o erro, mas deixar que o jovem sofra as consequências do mesmo. Ensinar a ambicionar, porque as vacas não dão leite*!

Durante quatro décadas, cientistas têm construído o quadro de como atletas de elite interceptam objetos a alta velocidade.

A explicação mais intuitiva é a de que Albert Pujolses e os Roger Federer’s deste mundo simplesmente possuem um dom genética que lhes proporciona mais tempo de reação à bola. Excepto, que nada podia ser mais errado.

A ciência estudou a velocidade de uma bola de baseball e uma bola de ténis e concluiu que o olho humano não consegue acompanhar a velocidade do objeto, logo a única explicação possível está fora do âmbito da ciência. Os atletas conseguem imaginar o percurso do objeto. (The Sports Gene – David Epstein)

Esta ideia tem tanto de esperançoso como de angustiante. Podia ficar aqui a citar muitos autores, treinadores e psicólogos que viveram de perto com as maiores estrelas do desporto e ressalvam sempre que o que os fez grandes, os fez talentosos foi a atitude, a autoestima, o acreditar no impossível, perseguir o sonho com trabalho, dedicação, perseverança e acreditar na visão.

Não sei se é de hoje, ou se sempre foi assim, mas só posso falar do tempo que me compete viver, mas que será de uma geração que persegue a mediocridade e é gratificada com medalhas de participação, para não ferir os sentimentos. Que é feito da expressão: é de pequenino que se torce o pepino?

Nada traz mais satizfação pessoal e felicidade do que a capacidade de realizar, de concretizar, de alcançar pelos próprios meios. Devemos ensinar as crianças desde cedo a realizar, sem as substituir-mos nas competencias, senão nunca as irão desenvolver. desde a simples capacidade motora, à capacidade emocional tudo são ferramentas para a vida adulta. Conhecem a expressão: treinos duros, jogos fáceis?

*A ideia generalizada de uma geração que acredita que as vacas dão o leite que bebemos, impede que compreendam o trabalho que está por trás disso. É preciso criar as vacas, proporcionar pastos frescos diariamente, cuidar dos animais e quando chega a hora é preciso ir ordenar as tetas de onde sai o leite. Nada disto é gratuito, simples, ou como erradamente compreendido: dado!

Autor: Pedro Silva

Excertos 1), 2) e 3) tirados da web

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