“Há seres humanos extraordinários em todos os desportos, excepto no ciclismo, aqui é só drogados!”
Nada é pior para o ciclismo que uma opinião generalizada tão nefasta quanto esta. E o pior de tudo é que quem a propaga são os próprios praticantes amadores, que na frustração de se manterem longe de resultados de excelência, consolam o ego com a ideia de que “eles só conseguem aguentar aquilo, porque estão todos minados”.
O bom do ciclismo é o mau do ciclismo.
Lembram-se do golo acrobático de Cristiano Ronaldo contra a sua atual equipa? Um golo que o próprio já admitiu ser único, até mesmo para ele.
Se Cristiano Ronaldo fosse ciclista, muitos correriam a dizer que só o doping justificava tal feito. Mas como não o é…
A ideia com que fico sobre a opinião de alguns praticantes, é que podes ser o melhor do mundo em qualquer desporto, excepto no ciclismo, porque neste desporto só és bom se te dopares.
Mas porquê deste fenómeno popular?
É verdade que o ciclismo tem sido vitima da comunicação social, especialmente em Portugal. A única forma do ciclismo sair na imprensa, é ter um caso mediático de doping positivo.
O caso Lance Armstrong não veio ajudar, mas é preciso contextualizar o ciclismo à época.
Muito mudou desde ai, diria que tudo mudou!
Mas há mais…
A maioria dos desportos e dos atletas, são tão afastados dos entusiastas, que estes só podem sonhar como seria trocar umas bolas com os atletas que admiram, como seria enfrentar a dificuldade de um jogo contra uma Juventus, um Real Madrid? Mas no ciclismo é comum conseguir pedalar uns metros com o nosso ciclista favorito, seja ele quem for! Há provas míticas como por exemplo o famoso Paris-Robaix que organiza mesmo eventos para amadores, no mesmo circuito e extensão que os profissionais o fazem. Desta forma podemos sentir literalmente na pele a dificuldade e comparar performances e é aqui que reside o problema!
A performance do atleta amador é tão distante da de um profissional de elite, que este se recusa a acreditar que tal diferença provenha apenas e só da herança genética e da disciplina de treino.
E dai a tal frustração que se manifesta na mentalização de que “nós” não somos assim tão fracos, “eles” é que são batoteiros. É que ainda por cima, são capazes de fazer aquilo duas a três semanas seguidas.
Efectivamente de vez em quando aparece um batoteiro, mas isso é a excepção e não a regra e acontece em todo o lado, até no trabalho. Todos nós conhecemos algum “Chico esperto” que anda sempre a tentar tirar proveito de um esquema qualquer para tirar proveitos no trabalho sem ter de se esforçar, para ser promovido sem mérito. Se esse individuo fosse ciclista, a probabilidade de ser um dos batoteiros, era enorme. Mas isso não tira o mérito aos que devem a sua posição ao trabalho e dedicação!
Ser atleta começa desde pequeno, e é um trabalho sem interrupções. É uma disciplina de treino que começa cedo e dura anos, não se tira férias de ser atleta, não se faz folgas. Uma vez interrompido dificilmente se volta. Pelo caminho filtra os medíocres e faz sobressair os excepcionais, aqueles que um dia conheces na elite do desporto.
Mas só para teres uma ideia em valores, um praticante de ciclismo comum debita em média 2.5 a 3 watts de potência por quilo de peso corporal. Um excelente amador chega a debitar 5 watts por quilo de peso. Mas ninguém chega a um pelotão internacional se não estiver nos 7wats/kg, ou acima!
Não é magia nem é batota, é filtragem e trabalho baseado na meritocracia.
Um burro com asas continua a ser um burro.
Lamento desiludir os que assim pensam, mas esta imagem suja está longe de ser verdadeira. O ciclismo é sem duvida um dos desportos existentes mais tecnológicos e abertos à ciência e isto trás consequências e benefícios.
Conhecer de forma profunda a corpo humano e o seu funcionamento leva a performances cada vez mais distantes do comum humano, não querendo dizer que haja com isto recurso a substâncias ilícitas. O que há é uma noção cirúrgica de cargas, descansos e nutrição.
O ciclismo é verdadeiramente o desporto do povo e é um dos desportos mais bonitos de se ver e sobretudo de se praticar. Sofrer em cima de uma bicicleta para atingir um objectivo, ou simplesmente atravessar um bosque por trilhos de terra dá uma sensação de euforia e magia que só experimentando.
É um desporto de realização, de superação, de limpeza de consciências pelo sacrifício exigido, pela simples felicidade conseguida e por essas razões merecia melhor fama e sobretudo melhor tratamento de imagem por quem o pratica.
Se não sabes o que dizes, não inventes o que não sabes.
Boas pedaladas 😉